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ANTEVAZ

A luta contra as máquinas e a substância curativa

Ancestralidade em colapso

ANCESTRALIDADE EM COLAPSO

Antes do colapso mundial, os Antevaz eram uma etnia de organização tribal pastoral que mantinha ainda sua tradição ancestral viva. De uma agricultura altamente desenvolvida, com um sistema de cultivo sofisticado, os antevaz eram proficientes na criação de animais e plantas nativas e tinham um extenso conhecimento da natureza que os rodeava. Historicamente, haviam desenvolvido sua medicina com base nos recursos de suas matas e eram conhecedores da astronomia, mantendo registro de seus sistemas e sua história. 

A sociedade antevaz era próspera, apesar de alheia ao mundo moderno. Hierarquizada em castas, ela se organizava de maneira unificada em um sistema quase federalista, onde as tribos tinham autonomia entre si mas obedeciam uma lei comum entre elas. Mesmo no mundo moderno, eles haviam se adaptado sem perder sua ancestralidade. 

A ilha lar dos antevaz, uma região colonizada no passado longínquo, era abundante de fauna e flora, com clima temperado e rodeada por uma zona vulcânica. E os antevaz do mundo pré-impacto, predado pelo turismo, viviam na parte alta de sua terra ancestral, distantes dos centros urbanos, cultivando e pastoreando nas montanhas enquanto mantinham suas crenças e rituais vivos. Não eram um povo rico, mas viviam bem aos seus padrões. 

Entretanto, ainda que adaptados a vida sem os vícios e confortos da modernidade, o que lhes conferiria vantagens em um mundo colapsado, é possível dizer que os antevaz foram um dos povos que mais sofreram indiretamente com o impacto. O movimento das placas tectônicas e a atividade vulcânica engoliram, com ondas enormes, boa parte de sua terra natal. As terras altas que restaram acima do mar entraram em uma rápida glaciação, ao passo que os céus ficaram escuros pela fuligem dos vulcões. E os antevaz, em pouco mais de uma década, perderam completamente seus recursos. 

Sua agricultura não era compatível ao novo clima, sua medicina não tinha mais matéria-prima e até os céus, onde as estrelas serviam para interpretar os deuses, agora estavam encobertos. Não restava mais que resquícios do que um dia foram seus tempos de prosperidade. E, diante desta nova realidade, as estruturas sociais dos pacíficos antevaz também colapsaram. 

A salvação vinda do céu negro

A SALVACAO VINDA DO CEU NEGRO

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Pouco urbanizados, os antevaz festejaram quando viram os primeiros sinais de Oberon nos céus. Para eles este era um sinal dos deuses, afinal sua apurada astronomia que previra os movimentos celestes, não conjecturava tal evento. O brilho escarlate que tingiu os céus, para suas crenças, só poderia ser obra do divino. Porém, quando os mares se revoltaram, investindo sobre sua terra natal, eles tiveram a certeza que estavam sendo castigados, que seus deuses estavam descontentes com o caminho do mundo e que seu fim como povo estava fadado.

Todavia, a natureza humana prevaleceu sobre o divino. E mesmo crentes do fim dos tempos, os Antevaz lutaram para sobreviver. O céu agora negro pela fuligem, com o solo infértil, que aquele povo simples nunca poderia ter imaginado, eram o palco da sobrevivencia daquelas tribos que conviveram harmocicamente por séculos imemoráveis. 

Acompanhada dos desastres, a força se tornou parte da tradição, e os mais resistentes eram os únicos com chance de sobreviver. A população diminuiu drasticamente conforme suas crenças sofriam adições pelos mais vigorosos e ferozes, enaltecendo a virtude dos guerreiros e privilegiando a força em suas narrativas. 

Os animais, domésticos e selvagens, se tornaram escassos, as plantações não resistiram ao novo clima austero e a falta de luz solar, enquanto os homens e mulheres, enfraquecidos e sobrevivendo do mínimo, somente mantinham a esperança de durar até o dia seguinte. Foi quando, neste cenário de miséria, do negror celeste um novo clarão se fez. 

Rompendo as nuvens e o som, um objeto rasgou os céus. Mas desta vez não houveram desastres junto às luzes. Após o estrondo da queda próxima, o silêncio imperou, o mar se manteve calmo e os Antevaz seguraram a respiração, esperando a devastação iminente que acabaria com seus sofrimentos. Após intermináveis minutos, quando se deram conta de que nada lhes acometeria, em um rompante na calmaria, eles entraram em êxtase. Os deuses haviam lhes enviado a salvação.

O Enviado
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O ENVIADO

As margens do mar, escondido pela cratera que fizera, o objeto estrelar repousava envolto em uma fina névoa, impossível de identificar se era fumaça do solo queimando pela superfície quente, ou se o próprio objeto liberava seus gases após a aterrissagem. Ao se aproximarem da cratera, antevaz de diferentes tribos puderam ver a silhueta humana coberta pelas brumas e, instantaneamente, souberam, sem que nada fosse dito entre eles, que seus deuses haviam enviado um emissário. 

O ser sem nome, apenas apelidado de O Enviado, rompeu a cerração. Recebido como um messias estelar, foi levado ao que, um dia, fora o centro espiritual dos antevaz, onde os líderes das tribos se reuniam no passado para tomar as decisões importantes. Lá eles juntaram seus poucos recursos: restos de peles e caça, cerâmicas, plantas secas, tecidos desbotados e toda sorte de possíveis oferendas, a fim de oferecer ao ser estelar. O Enviado, por sua vez, disposto de artifícios para adaptar-se a qualquer terreno e cultura, no cumprimento de sua missão pôs-se a decifrar a língua daquele povo. Quando codificado os padrões na fala dos antevaz, proferiu-lhes: Vim além das estrelas vistas nesse céu, por ordem de meus senhores, a fim de preparar a terra para chegada deles. Sob minha ordem, os servis aos meus senhores sobreviverão. 

Os antevaz interpretaram a sua maneira, e reiteraram suas certezas de que seus deuses haviam enviado um emissário. Os líderes entre os sobreviventes dos antevaz suplicaram àquela figura que os salvassem de sua atual condição. Lhe falaram sobre os céus escuros, sobre as plantações inférteis e sobre a miséria que seu povo se encontrava. E ao ouvir-lhes, com uma expressão inerte que era indistinguível entre a indiferença e a superioridade, O Enviado dirigiu-se para fora da construção onde, em um lento movimento de cabeça, sondou o ambiente com brilhos que coloriam sua face. 

Abaixo do céu exposto, assistido pelos antevaz, o ser estelar levantou o braço ao negrume celeste e, em uma série de pulsos rápidos e contínuos, círculos de fumaça subiram ao firmamento, trazendo uma fina chuva que intensificou-se rápido, abrindo os primeiros feixes entre a fuligem dos céus.

Domínio através da crença

O DOMINIO ATRAVES DA CRENCA

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A autoridade divina não precisou ser imposta uma vez que foi presenciada. E O Enviado, sabendo que aquele povo lhe era útil para sua missão, se encarregou de absorver rapidamente a cultura e as crenças dos antevaz, incorporando a identidade de um emissário genérico dos deuses. Após trazer o sol novamente, o ser estelar começou instruindo os antevaz ao novo clima, ensinando-lhe como cultivar e adaptar-se. Compartilhou com eles a graça de sua divindade, pois o que para ele era tecnologia de seu arsenal, para os antevaz era o poder os deuses, e não só com a confiança, mas com a fé estabelecida em sua figura, O Enviado iniciou seu processo de colonização daquelas terras.

Inicialmente não houve qualquer tipo de resistência, pois O Enviado e sua divindade eram amplamente aceitos. Afinal, com a ajuda de seus poderes celestes, os Antevaz conseguiram restaurar seus costumes e viver novamente em harmonia e abundância. 

Adorado como redentor vindo das estrelas especificamente para trazer a salvação de um povo já sem esperanças, O Enviado reinou sob o véu da fé. E décadas se passaram com abusos, incongruências e experimentos omissos nas sombras da divindade.
O povo antevaz tornou-se somente uma ferramenta para os objetivos secretos do ser estelar. Enquanto cada ação e abuso eram justificados como desígnio divino e cada dor como um sacrifício necessário, os cidadão sumiam sem motivo aparente, sem a dignidade de qualquer excusa por parte do Enviado, que tratava como se eles nunca houvessem existido.

Todavia, no âmago de muitos dos antevaz, germinava uma semente de desconfiança e rancor. Eles não aceitavam mais o Enviado como parte de seu panteão, sua  divindade soava oca, e seus decretos, arbitrários. Nascia, entre alguns antevaz, um sentimento de que algo estava errado com os desígnios dos deuses. Que aquele ser, ainda que estelar, não parecia agir senão por uma lógica fria e autocentrada de submissão irrestrita, e que seus deuses outrora cultuados, nada tinham a ver com aquela criatura espacial. 

Ao passar dos anos, as dúvidas de alguns se tornaram certezas, o Enviado, antes uma figura de segurança, renascimento e salvação, se tornou sinônimo de contradição, incerteza e, acima de tudo, opressão. Aos obedientes, a promessa da salvação; aos dissidentes, o castigo inevitável. Assim, o que era uma adoração por parte dos antevaz, se tornou medo, e o que era uma religião, se tornou uma prisão para aquele povo, ditada por uma inteligência artificial opressora.

Dessa repressão nasceu a resistência, tênue no início, mas viva feito um broto que rompe o concreto. Grupos ocultos começaram a se formar, unidos pelo objetivo comum de destronar O Enviado, libertar-se não apenas de um ser, mas de um destino imposto por algo que jamais foi deus.

A IRA DAS RAIZES

A ira das raízes

A fé que unificou os Antevaz se tornou sua prisão. O Enviado, uma máquina vinda do espaço, agora manipulava as tradições, impunha rituais e cultivava obediência cega através de uma mimetização, de um teatro, do que um dia foram as crenças do povo antevaz. Sob promessas de salvação, os mais fracos foram sendo explorados, enquanto os fortes se tornaram inquisidores do culto que o O Enviado criara através de décadas. 

Alguns poucos, entre eles anciões que conservavam uma memória - ainda que fraca e diluída - de crenças e costumes antigos, não aceitavam o fato de uma máquina liderar seu povo. Somados a outros que, mesmo sem jamais terem conhecido outra realidade, estavam lúcidos para os abusos do falso deus. Formavam juntos, espalhados por diversas das tribos, focos de resistência, onde tramavam formas de sobrepujar O Enviado e libertar seu povo da tirania da máquina.

Como toda hostória de resistência, aquilo que começou com reniões privadas, muitas vezes co uma tentativa de retorno as suas raízes ancestrais, ganhou força devido a uma população insatisfeita e, logo, tentativas e atentados contra o Enviado faziam parte da vivência naquela pequena ilha. 

Contudo, o estopim que deu origem ao que viria ser chamado de A Ira das Raízes, não foi um ato planejado, mas sim uma resposta, um rompante de um povo cansado, a ebulição dos abusos sofridos. 

A fim de enfrentar as crescentes revoltas e restabelecer seu domínio absoluto através do medo, o Enviado decidiu pôr fim às resistências dos antevaz, utilizando-se de seus líderes capturados como exemplo. Em frente ao que um dia fora o centro espiritual de seus antepassados, no coração simbólico do povo antevaz, hoje maculado pela presença do Enviado; o mesmo dispôs os expoentes da resistência capturados. Muitos entre eles anciões senis que, de fato eram membros e líderes da resistência, mas também figuras de respeito entre os antevaz, guardiões do passado, homens e mulheres que levavam consigo a identidade daquele povo sofrido. E, diante de toda a tribo, um por um foi submetido a torturas realizadas pelas próprias mãos do Enviado. 

Seu conhecimento anatômico era absoluto, sabia infligir dor inimaginável sem permitir que perdessem a consciência. À medida que o tempo passava, a inquietação entre os antevaz crescia, não era apenas medo, mas revolta. Assistir a um dos seus sendo dilacerados despertava algo mais antigo e profundo: o senso de ancestralidade. 

Naquele instante, uma guerra civil teve início. Por mais de quatro anos, milhares de antevaz tombaram, fossem pelas mãos do Enviado, fossem pelas de seus próprios irmãos.

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